sábado, 31 de julho de 2010

Zíper na pinta ou ao amigo Totó...

O post de hoje, não foi escrito por mim, mas por Demitri Túlio, jornalista. Está na coluna Das Antigas, do jornal O Povo, de hoje. Pego por empréstimo...

Quando descriancei, o mundo ficou meio embolorado. E, confesso, ainda não me adaptei. Tive de passar a comer de garfo e faca porque era feio almoçar de colher. Proibiram que eu bebesse coca-cola, duma vez, na boca da garrafa. E cassaram o encanto natural de poder lamber a panela do brigadeiro quente e queimar a língua. Depois, passar pasta de dente e ficar uns dias sem sentir o gosto de macaúba.

Minha avó era vigiada por meus pais e tias para que não me fizesse mais capitão na hora do almoço. Caldo de feijão, eu não poderia mais beber assobiando e tomando gosto. E, agora, mesmo detestando era obrigado a comer cebola cozida sem catar.

Ora, ovo com arroz era o comer que mais me apetecia e me negaram a liberdade de querê-los. Aquilo não era comida de gente. Mas eu gostava e pronto. Ovo com macarrão, ovo com baião de dois, farofa de sardinha, farofa de carne de lata, salsicha esturricada na caçarola, bruaca, pão mergulhado no copo quente de café e manteiga...

Pensei que quando descriançasse, finalmente gostaria de comer, sozinho, a coxa da galinha, o bico do pão, o bife maior que só meu pai tinha direito. Que teria tudo pra mim feito visita que vinha do Rio de Janeiro ou gente importante que chegava lá por casa. Mas não foi bem assim.

Faltavam meus irmãos para disputar e arengar. Meus amigos de rua para contar e fazer inveja, dizendo que eu era o merecido e sempre ficava com a coxona do peru (mentira) de Natal. Que lá em casa queijo roquefort era comida de gato pé-duro e das galinhas de granja que criávamos no quintal. Obesas de cacarejar em francês. Chomp, chomp!

Tiraram meu calção e me intimaram a usar cuecas e calças compridas. Era uma falta de respeito andar no osso, com tudo balançando. E quando os pensamentos malinavam, empinar papagaios não podia mais. Descriançado, acreditem, sinto falta até do zíper quando resolvia enganchar na pinta. Doiiiiiaa.

Minhas amigas deixaram de andar de calcinha, nuas da cintura pra cima. Agora, tinham vergonha de tomar banho de balde no pé da cacimba e viravam de costas para que não se brechasse algo que doravante deveria ser escondido a sete chaves e talvez um dia. Para um menino mais velho. Quac!

Tão estranho isso. Quando estavam de biquíni, Rebeca, Wilma e Tida, lambuzadas de coca-cola no quintal pra corar, eu podia trepar no muro e conversar miolo de pote com elas. Mas de calcinha e sutiã, não! As coisas foram ficando emboloradas, cinzentas, maldosas, adulteradas.

Pra voltar a falar com elas, tive de deixar de jogar futebol de botão, rebolar no mato minha coleção de carteiras vazias de cigarro e doar minhas revistas do Pato Donald e Morcego Vermelho... Também não podia dizer que gostava do carro de lata, do Capitão América, Josy e As Gatinhas, Mutley e a Esquadrilha Abutre... Ridículo, um abestado que nunca cresce... Humpf.

Descriançar não foi bom, mas não desejaria tomar um bonde de volta ao Porangabuçu. Porém ainda sinto carinho pela rua, a casa que eu pensava ser enorme, os velhos dela, os vizinhos, as goiabeiras, as férias de julho, o carimba, o dindin de batata de dona Maria, os sábados por lá, os rachas, a espera do Natal e da neve que nunca caia... O inventar quase toda hora... E de um amigo desmedidamente querido, Totó ou Jocelito, que se foi tão menino aos 45 anos. Snif!

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