quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Quando Nietzsche chorou...Uma transcriação.

Ator 1 – Para terminar...
Ator 2 - Quase!
Ator 1 -O encontro da arte e da ciência, se repete!
Ator 2 – Porém, com novos personagens.
Ator 1 - Agora o encontro de Dr. Josef Breuer e Friedrich Nietzsche.
Ator 2 –Tu, irás ser... Josef Breuer.
Ator 1 – E tu, serás... Friedrich Nietzsche.
Ator 3 – E eu?
Ator 2 – Tu serás... Lou Salomé.
Ator 4 – Eu também quero participar!
Ator 2 – Ok... Tu serás... Freud.
Ator 1 – Será apenas uma experiência...


APRESENTANDO...

Lou Salomé – Dr Breuer, tenho um amigo em desespero. Temo que venha a se matar num futuro muito próximo.
Dr Breuer - Quem é esse homem, seu amigo? Eu o conheço?
Lou Salomé - Ainda não! Mas dentro de algum tempo, todos o conhecerão. Chama-se Friedrich Nietzsche.
Dr Breuer - Por que o senhor Nietzsche não se consulta comigo em meu consultório em Viena?
Lou Salomé - Não me interprete mal! Não tenho ilusão de que o senhor vá curar a doença de Nietzsche. Não foi por isso que procurei sua ajuda.
Dr Breuer - Perdoe-me, Fraülein, agora fiquei realmente confuso. A senhorita não começou dizendo que desejava minha ajuda porque seu amigo está muito doente?
Lou Salomé - Não, Dr Breuer, eu disse que tinha um amigo que está desesperado, que corre grande perigo de se suicidar. É o desespero do professor Nietzsche, e não seu organismo, que peço para curar.
Dr Breuer - Não posso ajudar uma mente doente. Não existe remédio para o desespero, médico para a alma.
Lou Salomé – Dr Breuer, sei que é capaz de fazer. Tenho um espião. Meu irmão Jenia Salomé é um estudante de medicina que freqüentou sua clínica em Viena no início deste ano. Ele assistiu a uma conferência informal em que o senhor descreveu seu tratamento de uma jovem mulher que estava desesperada e que tratou com uma nova técnica chamada terapia através da conversa. Uma cura baseada na razão, no deciframento de associações mentais emaranhadas.
Dr Breuer - O caso descrito por seu irmão foi, simplesmente, um caso individual em que apliquei uma técnica altamente experimental. Não há razão para acreditar que essa técnica específica vá ajudar seu amigo. A paciente foi acometida de histeria. Minha abordagem consistiu em remover sistematicamente cada sintoma, ajudando-a a rememorar, com ajuda do mesmerismo, o trauma psíquico esquecido no qual se originou. Uma vez descoberta a fonte específica, o sintoma desaparecia.
Lou Salomé - Permita então sugerir um plano. Persuadir o professor Nietzsche a consultar o senhor sobre sua saúde física. Ele não admitiria procurá-lo para curar o desespero, que sequer reconhece.



O PRIMEIRO ENCONTRO...


Dr Breuer
– Mas... e a melancolia? Até que ponto acompanha ou sucede os ataques de enxaqueca?
Niestzsche - Tenho períodos negros. Quem não tem?! Mas eles não me possuem. Eles não são da minha doença, mas de meu ser. Poder-se-ia dizer que tenho a coragem de tê-los.
Dr Breuer - Tal situação, a maioria dos dias um tormento, parcos dias de saúde por ano, a vida consumida pela dor, parece uma geradora natural do desespero, do pessimismo sobre a razão de viver.
Niestzsche - Sem dúvida, isso é verdade, Dr Breuer, para algumas pessoas, talvez para a maioria - aqui tenho que respeitar sua experiência -, mas não é verdade para mim. Desespero? Não, talvez outrora verdadeiro, mas não agora. Minha doença pertence ao domínio de meu corpo. Vivo só e prefiro assim! Por três vezes saí da toca e tentei construir uma ponte até os outros. E três vezes fui traído. Não há com quê me desesperar.
DNegritor Breuer - Três tentativas, três terríveis traições e, desde então, um recolhimento ao mais penoso isolamento. O senhor sofreu e, talvez, de alguma forma, esse sofrimento intensifique sua doença. O senhor me confiaria os detalhes dessas traições?
Nietzsche – E minha enxaqueca, Dr Breuer?
Dr Breuer – Devo entender então, que esse pode ser o motivo do seu desespero?
Sua conclusão, então, é que se deve encurtar a vida caso se deseje?
Niestzsche - Essa é uma opção possível, mas somente à luz do pleno conhecimento.
Dr Breuer - O senhor se refere ao suicídio, professor Nietzsche. Deveria o suicídio ser uma escolha?
Niestzsche - Cada pessoa é dona de sua própria morte.
Dr Breuer - Alguma vez o suicídio seria sua escolha?
Niestzsche - Morrer é duro. Sempre senti que a recompensa final dos mortos é não morrer nunca mais!



PARTILHANDO PARA DECIFRAR...

Freud
- Talvez eu não devesse dizê-lo, mas, confesso-lhe em particular que os aspectos psicológicos do caso me intrigam mais do que o quadro clínico. Talvez parte dele tenha intenções suicidas, mas a parte consciente não sabe.
Dr. Breuer - Sig, cada vez mais você fala desse pequeno homúnculo inconsciente vivendo uma vida à parte de seu hospedeiro. Por favor, Sig, siga meu conselho: fale dessa teoria apenas para mim. Não, não, sequer a chamarei de teoria, pois carece de provas empíricas; vamos denominá-la um vôo da imaginação.
Freud - Ficará entre nós até que tenha provas suficientes. Então, publicarei, sem dúvida, minha descoberta.
Dr Breuer - Sig, você fala de provas empíricas como se isso pudesse ser objeto de investigação científica. Mas esse homúnculo carece de realidade concreta. Trata-se simplesmente de um construto, como um ideal platônico. Em que poderiam consistir as provas empíricas? Pode me dar ao menos um exemplo? E não fale dos sonhos, pois não os aceitarei como provas; eles também são construtos sem substância.
Freud - Josef, parece-me que terá de realizar uma cirurgia psicológica igualmente complexa e delicada. Você tem que persuadi-lo a revelar seu desespero.
Dr Breuer - Cirurgia psicológica! É interessante ouvir essa sua colocação. Talvez estejamos desenvolvendo toda uma nova sub-especialidade médica.
Freud - Analisar a própria psiquê! Uma tarefa nada fácil
Dr Breuer - Obrigado, Sig. Foi uma conversa proveitosa. O aluno ensinou ao mestre.



MAIS ENCONTROS...

Dr Breuer
- E o senhor? Lembre-se de que nosso contrato de honestidade é recíproco. Diga-me, o que esconde de mim?
Nietzsche - Certamente nada sobre meu estado. O senhor imagina uma conversa às claras sem nada escondido; acredito que seja um verdadeiro inferno. Expor-se a um outro é o prelúdio da traição e a traição é angustiante. Para um psicólogo, o sofrimento pessoal é uma bênção: o campo de treinamento para encarar o sofrimento da existência. A psiquê não funciona como uma entidade única. Partes de nossa mente podem funcionar independentemente das outras. Talvez "eu" e meu corpo formemos uma conspiração pelas costas de minha própria mente.
Dr Breuer - O senhor sugere que existem reinos mentais independentes e murados dentro de nossa mente? Interessante isso!
Nietzsche - Quais são suas verdadeiras motivações sobre meu caso clínico, Dr Breuer?
Dr Breuer - Agrada-me o estímulo intelectual recebido de meus contatos com o senhor.
Nietzsche - Essa motivação têm ao menos o aroma da honestidade.



O PLANO...

Dr Breuer
- Não estou preocupado com os riscos, Sig. Acredito no valor terapêutico da conversa.
Freud – Seu plano sugere que ele seja então, o médico de seu desespero.
Dr Breuer - Estou convencido de que há algo de terapêutico em desabafar. Espero que me ouvindo desabafar, Nietzsche se abra sobre seu desespero. Espero que me use como um padre confessor. Talvez isso em si tenha uma ação terapêutica



INVERTENDO OS PAPÉIS...

Dr Breuer
- Quanto mais conseguir contar sobre meus sentimentos íntimos, mais alívio obterei.
Nietzsche - Nunca se consegue ser realmente ajudado por outrem; é preciso que se encontre a força para ajudar a si próprio. Talvez você precise descobrir a causa original de cada um de seus problemas psicológicos. Mas... recomendo que não revele mais do que o necessário para minha compreensão. Quero ajudá-lo a se expandir e crescer, não enfraquecê-lo pela confissão de suas falhas.
Dr Breuer - Tenho me sentido mais aberto, mais pronto a empreender uma investigação de mim mesmo.
Nietzsche - Percebi que a cura filosófica consiste em aprender a escutar sua própria voz interna.
Dr Breuer - Não consigo raciocinar sobre isso. O que estás dizendo?
Nietzsche - Não raciocine. Apenas limpe a chaminé! Inventamos nossas experiências. E o que inventamos podemos destruir. Apenas fale. Não tente ser lógico ou mesmo formular sentenças completas. Diga aquilo que lhe vier à cabeça. Apenas deixe os pensamentos fluírem, não tente controlá-los. Significado, essa palavra poderá ser a chave. Talvez nosso erro desde o início tenha sido negligenciar o significado de suas obsessões. Pergunte a si mesmo, Josef: Você consumiu sua vida?
Dr Breuer - Você responde a perguntas com perguntas, Friedrich.
Nietzsche - Você faz perguntas cujas respostas conhece.
Dr. Breuer - Se eu soubesse a resposta, por que faria a pergunta?
Nietzsche - Para evitar conhecer sua própria resposta.





TUDO MISTURADO...


Dr Breuer
– Agora sou eu, Friedrich, que faço perguntas. O que você conhece da hipnose? Do mesmerismo?
Nietzsche - Entendo apenas que é um estado como do sono em que você se torna altamente sugestionável.
Dr Breuer - Mais do que isso, Friedrich. É um estado em que você é capaz de experimentar fenômenos alucinatórios de grande vivacidade, como agora que começaste a limpar a chaminé. Sabe por que está chorando, Friedrich?
Nietzsche - Não tenho certeza.
Dr Breuer - Por favor, tente uma experiência comigo. Consegue imaginar que suas lágrimas tenham voz? O que elas diriam?
Nietzsche - As lágrimas diriam: Finalmente, finalmente o velho homem fez uma faxina! O momento em que comecei a limpar a minha chaminé, foi exatamente o momento em que me permiti pela primeira vez ser tocado. Obrigado, amigo!
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Transcriação feita por HG em dezembro de 2010.

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