Suor gotejando na luz precária. Boca seca, tontura de abrir o chão.
Cai por sobre o dorso aquela febre de possessão. Uma voz arrebata o silêncio anunciando chegança de mandinga em terreiro santo. Vibra o peito todo em chamas, toma-lhe de arrepio um frenesi de paixão e desassossego, sai do ar, salta os olhos, flutuam queixumes.
eeeeeeeiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaa!
O corpo se enlameia e se contorce num rito de balé-cadafalso por onde declina sua face e emergem caras, criaturas, almas saídas de um mundo transverso.
Entorta a espinhela, fareja o sabor do amor, da dor, da espera enquanto surgem sombras de outros seres como falas antecipadas do além - morrerão mais tarde com a cara do trágico grudada à pele do seu cavalo-Godot preciso e causticante.
Sua fala degringola como se fora outra, outros rostos passeiam brincando de onipresença e, em cada um deles, uma romaria na fala, mantras de amor e morte - desatam nas palavras as agonias, o patético envolto nas artimanhas dos quereres. Como idiotas dostoiewisquianos se permutam e choram humilhados e ingênuos, transpõem a porta dos mortos nos rostos superpostos, transitam e se enfileiram na hora, na cara, na máscara. Alternam-se incorporações.
Cavalo alucinado, ânima de mamulengo sob fios suspensos e servo do instante se precipita numa prontidão de banda, de legião.
Como a fúria que derrota o amor, congela-lhe na face um morto, um sonhado sujeito, alheio, suspeito de intrigas e desamores.
Eeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaa!
Satanás bruxuleante e carnívoro devorará as sentinelas das pasárgadas, dos umbrais de famíliast incestuosas e indecentes.
Cavaleiro errante em convulsões por dulcinéias, por odetes, por beatrizes, embala as fantasias platônicas grudadas nas máscaras, nos ombros, nas mãos.
Festeja o Sileno, o seu ébrio - louco, convocando bacantes e babalorixás, presentificando um fulano miserável qualquer, sofredor e morredor, e ama porque ama e ama o amor de Iabá e Arô.
Por trás das têmporas ainda atina pelo sopro do divino-humano no fraco, no coxo, no mal amado, no defeituoso monstro ciumento e ressentido que abriga agora na cara e reza uma prece de vida e morte - bodas de vinho, sangue e sexo.
Kawôôôôô Kawô Kabiecile!
Arrosta, arrasta a fala, contrai a face numa mistura tão rítmica e desvelada que acolhe personagens urbanos, míticos, rodriguianos, convincentes de quereres e azares.
Xangô de faces musculares potentes e olhos arregalados que desavisam um grito e berram na síncope da transmutação da cara, na máscara.
Para aquém da morte, anunciada no sôfrego escarro dramático, no último suspiro e lamento de impressionante e visceral comicidade, giram as faces. Ri-se da peia que martiriza aqueles fulanos pré-mortos que, aos poucos se enfileiram sobre o fim, sobem do metarosto para o esquálido inexistir.
Adorei as almas!
Eeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaa!
Atotô!
Silêncio.
Texto de Eugenia Siebra – Inspirados nas imagens do ator Ricardo Guilherme em cena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário